Por Dra. Milena Marília Nogueira de Andrade
A gestão de riscos e desastres no Brasil de acordo com a Lei 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, possui dentre suas diretrizes integrar-se com outras políticas à exemplo do ordenamento territorial, do desenvolvimento urbano, do meio ambiente e da saúde. Embora existam avanços com relação a inserção da temática dos riscos nas ações da gestão do território, a integração com a área da saúde passa por um momento histórico de reflexão por conta da pandemia do coronavírus. Dada a extensão continental do nosso país, a complexidade aumenta com as diferenças regionais de desenvolvimento do nosso território. Nesse contexto, é pertinente perguntar: qual o panorama da gestão do risco de desastre da pandemia no coronavírus na Amazônia?
Antes de explanar sobre o tema, é importante pontuar de forma breve algumas definições de acordo com as terminologias do escritório das Nações Unidas para Redução de Risco de Desastre. O risco de desastre refere-se a perdas potenciais de vidas ou bens materiais em um sistema, sociedade ou comunidade em um determinado tempo proveniente de um desastre. E, o risco é entendido como o resultado do produto da exposição, da ameaça e da vulnerabilidade (UNISDR, 2015).
Fonte da figura original: https://www.preventionweb.net/risk/disaster-risk
A ameaça é um evento de origem natural (p.ex. geológica, biológica) ou antropogênica que pode causar danos potenciais a algo ou alguém, enquanto a exposição refere-se ao número de pessoas ou infraestrutura sujeitos a perdas potenciais (UNISDR, 2009). E por fim, a vulnerabilidade, apesar de ser um conceito com amplo debate e definições, pode ser simplificadamente entendida como as características das pessoas ou do local que são susceptíveis aos danos.
A ameaça biológica do Covid-19 teve seu primeiro caso no Brasil em fevereiro de 2020, e, rapidamente, atingiu os estados da Amazônia (MS, 2020). Trazendo uma reflexão de maior detalhe para a vulnerabilidade, os grupos mais vulneráveis foram identificados como as pessoas com doenças preexistentes e idosos (Bedford et al., 2020), estendendo-se para locais de concentração populacional das cidades, zona rural e etnias indígenas (Castro et al., 2020). A alta densidade demográfica de algumas cidades amazônicas expôs mais de duzentos mil pessoas ao Covid-19, apenas nas capitais Belém (Pará) e Manaus (Amazonas) (Portal Geocovid-19, 2020), sem considerar as subnotificações. Soma-se à alta exposição, a sensibilidade da população, que apresenta, historicamente, baixos indicadores sociais de educação, renda e qualidade de vida.
A infraestrutura do sistema de saúde na Amazônia que já estava operando em seu limite antes do coronavírus, com o avanço no número de infectados, quase colapsou (G1AM, 2020; G1PA 2020). No âmbito rural os cidadãos tendem a migrar para receber melhores tratamentos na cidade. E, houve ainda um aumento de contágio entre as populações tradicionais, como a população indígena, agravando os problemas ambientais existentes em seus territórios (Walace 2020).
Em tempos de Covid-19, fatores como incremento do desmatamento na Amazônia, com registro de 4.509km² entre 2019 e abril de 2020 (Moutinho et al., 2020), se opõe à melhoria geral global do ambiente em termos de qualidade da água e do ar apresentada na Europa e Ásia (Shrestha et al., 2020). Esses números elevados de desmatamento parecem ocorrer devido a uma tendência de continuidade das atividades ilegais, diante da redução da fiscalização por conta do isolamento social e lockdown impostos na ocasião (Brown, 2020).
Apesar das dramáticas condições de vulnerabilidade social e a piora na qualidade ambiental, a capacidade de resposta de monitoramento e vigilância em relação a esta doença demonstra a eficácia de ações cooperativas interinstitucionais. Uma rede multidisciplinar de organizações acadêmicas, empresas emergentes de base tecnológica e organização do terceiro setor se uniram às secretarias de saúde para fornecer uma visão geral cartográfica e gráfica dos casos de contágio de coronavírus com intuito de subsidiar as ações de respostas governamentais (Portal Geocovid-19, 2020). Isso possibilitou iniciar uma comunicação com melhor transparência, entre a sociedade e os governos. A organização visual com mapas interativos mostrando a evolução dos casos de Covid-19 forneceu embasamento para uma melhor tomada de decisão pelos gestores. Essas ações coletivas e em rede são aspectos intangíveis que aumentam a capacidade adaptativa e reduzem a vulnerabilidade na superação dos desastres (Andrade e Szlafsztein, 2018). Provavelmente, a nova reflexão para uma Amazônia pós pandemia traz velhas lições sobre como integrar o trabalho cooperativo, multidisciplinar para lidar com incertezas inerentes à gestão de riscos de desastres, e assim, reduzir vulnerabilidades.
Referências e links de acesso na internet:
Andrade MMN, Szlafsztein, C. 2018. Vulnerability assessment including tangible and intangible components in the index composition: An Amazon case study of flooding and flash flooding. Science of the Total Environment 630:903-912. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969718306715
Bedford J et al. 2020 COVID-19: towards controlling of a pandemic. Lancet 395, 1015. https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30673-5/fulltext
Brown K. 2020. The hidden toll of lockdown on rainforests. Disponível em: https://www.bbc.com/future/article/20200518-why-lockdown-is-harming-the-amazon-rainforest
BRASIL 2012. Lei 1.2608/2012 institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm
Castro et al., 2020. The Brazilian Amazon in Times of COVID-19: from crisis to transformation? Revista Ambiente & Sociedade 23, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2020000100910&lng=en&nrm=iso
G1AM 2020. Amazonas atinge 96% de ocupação em leitos de UTI da rede pública de saúde, diz Susam. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2020/04/23/amazonas-atinge-96percent-de-ocupacao-em-leitos-de-uti-da-rede-publica-de-saude-diz-susam.ghtml
G1 PA 2020. Pará tem 90% dos leitos de UTI ocupados para tratamento da Covid-19. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2020/04/21/para-tem-90percent-dos-leitos-de-uti-ocupados-para-tratamento-da-covid-19.ghtml
MS Ministério da Saúde. 2020. Primeiro caso de Covid-19 no Brasil permanece sendo o de 26 de fevereiro. https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47215-primeiro-caso-de-covid-19-no-brasil-permanece-sendo-o-de-26-de-fevereiro.
Moutinho, et al. 2020. IPAM Technical Note, The Amazon in flames deforestation and fira during the Covid-19 Pandemic, n4 (2020)
PORTAL GEOCOVID-19. 2020. Estatísticas do Brasil. http://portalcovid19.uefs.br/
Shrestha AM et al. 2020. Lockdown caused by COVID-19 pandemic reduces air pollution in cities worldwide. https://doi.org/10.31223/osf.io/edt4j. Disponível em: https://eartharxiv.org/edt4j/
Walace 2020. Disaster looms for indigenous Amazon tribes as COVID-19 cases multiply. Disponível em: https://www.nationalgeographic.com/history/2020/06/disaster-looms-indigenous-amazon-tribes-covid-19-cases-multiply/
UNISDR, United Nations International Strategy for Disaster Reduction 2015. Sendai Framework for Disaster Risk Reduction 2015-2030. 37p. Disponível em: https://www.preventionweb.net/publications/view/43291
UNISDR, United Nations International Strategy for Disaster Reduction 2009. Terminology on Disaster Risk Reduction. 35p. Disponível em: https://www.preventionweb.net/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf
Este texto é de autoria de:
Milena Marília Nogueira de Andrade
Geóloga, mestre em geologia com ênfase em Sensoriamento Remoto, Doutora em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará. Atualmente professora Adjunta da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Associada ABMGeo.
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