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GeoMamas entrevista: Fernanda Quaglio

Atualizado: 4 de set. de 2023



Um dos grandes desafios das geocientistas (e de áreas afins) é conciliar as rotineiras atividades de campo com a maternidade. Iniciando a temática “Atividades de campo com crianças” entrevistamos algumas geocientistas mães que fizeram trabalho de campo com as crias à tiracolo, para conhecermos um pouco mais dessa realidade!


Primeiramente, como você prefere ser mencionada?


Fernanda


Qual a sua profissão? Onde se formou?


Sou paleontóloga, graduada em Ciências Biológicas pela USP, mestrado e Doutorado em Geologia Sedimentar pela USP, e pós-Doc em Estratigrafia pela UNESP.


Qual sua área de pesquisa?


Paleontologia de Invertebrados. Estudei fósseis de moluscos da Antártica e mais recentemente venho trabalhando com estromatólitos de cavernas de Minas Gerais.


Você poderia falar brevemente sobre sua experiência profissional? Qual a sua ocupação no momento?


Na graduação eu decidi seguir carreira acadêmica, com mestrado, doutorado e pós-doc. Fiz alguns trabalhos de consultoria e me tornei professora de universidade federal em 2016. Hoje estou na Universidade Federal de São Paulo.


Quando foi que você se tornou mãe?


2017


Desde que se tornou mãe, qual é a sua principal dificuldade?


Sendo mãe solo desde a gravidez e uma das mais novas da minha família, aprendi a fazer tudo sozinha, com ajuda esporádica.


Você possui rede de apoio? Qual?


Não tenho companheiro, mãe, sogra, cunhada com quem contar. São apenas 3 pessoas com quem conto de forma muito esporádica.


Como ficou a sua rotina de atividade profissional após a maternidade?


Eu diria que hoje consigo me dedicar de 30 a 40% a menos do que antes de ser mãe. Sei que a dedicação varia muito de acordo com a idade da criança. Minha filha, agora com 4 anos, consegue estar sozinha em um cômodo da casa por algum tempo para eu participar de uma reunião mais curta, por exemplo. Mas as tarefas e cuidados são muitos, assim como a atenção. De forma geral, meu cotidiano é ajustado de acordo com o horário da escola dela, integral por 10 horas.


Consegue elencar quais foram/são as maiores dificuldades enfrentadas nessa conciliação?


A maior dificuldade é ajustar os novos horários. Na academia, a criatividade é muito importante para escrever e estruturar projetos e artigos científicos. Se eu tinha meu horário de maior produtividade entre 17h e 23h, ele precisou ser ajustado para o horário “comercial” da escola. Além disso, como mãe, tenho muitas tarefas e detalhes do cotidiano para pensar e organizar, além da própria criação, o que afeta profundamente minha saúde mental. Isso somado à desvalorização da carreira científica no Brasil acaba trazendo maior dificuldade para o meu desenvolvimento profissional, já que ser mãe é encarado como um problema, atraso ou queda automática da produtividade pela comunidade científica de forma geral.


Se você já passou por isso, consegue dar alguma dica para mães que estejam passando por situações adversas nesse processo de conciliar trabalho e maternidade?


O primeiro passo é não se desesperar, e não se importar com comentários depreciativos que possam te afetar negativamente, principalmente vindos do ambiente de trabalho. O segundo é procurar pessoas em situações parecidas com a sua, porque você verá que não está sozinha. E o mais importante é criar alguma rede de apoio, com essas pessoas, sua família, ou paga, se possível. Você precisará abrir mão de algo material, como adiar alguma viagem, ou morar em uma casa melhor para poder dar condições boas para sua cria e conseguir trabalhar. No meu caso, eu posso pagar por essa rede, mas sei que a realidade não é a mesma para todas. Minha ideia na GeoMamas é justamente estimular as mães geocientistas a se ajudarem e fazerem parte dessa rede.


Como foi realizar as atividades de campo com seu bebê? Relate para nós.


Além da parafernália do campo, há 3 vezes mais apetrechos para levar por conta do bebê. Os horários para o campo são mais limitados, e a preocupação com o bem-estar da criança é enorme, principalmente se o local do campo não tem sinal de celular. Uma vez um fazendeiro nos fechou para dentro da propriedade, o que atrasou em mais de 1 hora minha chegada à casa da babá.


Com quanto tempo seu bebê estava na época do trabalho de campo?


Eu fiz alguns passeios com minha filha ainda muito pequena, como ir a parques fazer trilha quando ela não tinha nem 4 meses. Com 5 meses eu fui ao primeiro evento e com 6 eu fiz meu primeiro campo depois de ser mãe. As limitações são os locais de acesso, pois precisam estar próximos à infraestrutura urbana, com berçário, babá e escola.


Você sentiu medo? Sim ou não, e porquê?


Meu maior medo é encontrar alguém de confiança. Tive sorte, pois as babás que contrato são ótimas, mas é um terror sempre que preciso de babá nova. Procuro contratar babá que cuida ou cuidou de filhos ou sobrinhos dos meus contatos na cidade. Ou peço para a coordenadora da melhor escola me indicar uma professora que cuide, de preferência que tenha graduação em pedagogia. Isso encarece muito, principalmente em campos mais longos, mas me traz um pouco de tranquilidade. Mesmo assim, a primeira vez que deixo minha filha com uma nova babá eu faço o percurso até o campo aos prantos, me questionando se não deveria parar de ir ao campo até ela ser maior. Outro medo, que existe mesmo com as pessoas maravilhosas que encontrei para cuidar da minha filha, é ocorrer algum acidente com ela enquanto estou incomunicável no campo.


Teve apoio? Se sim, com quem contou?


Nos eventos sempre encontramos amigas que dão alguma ajuda, mas quando ela era ainda bebê eu preferia deixar em berçário. Agora, com 4 é mais difícil encontrar escola. No campo, temos que contar com a compreensão dos colegas, pois o tempo de trabalho é menor.


Restringiu as suas atividades? Quais?


Para os campos a proximidade dos afloramentos com infraestrutura é crucial. Fui chamada algumas vezes para fazer campo na Patagônia e Antártica. Esses vão ter que esperar vários anos, pois não tenho alguém com quem deixar minha filha de apenas 4 anos de idade por semanas a fio. Para quem tem rede de apoio do campanheiro e familares mais próximos, acredito que isso não seja um grande problema.


Demorou mais tempo que o comum para cumprir alguma tarefa? Qual/quais?


Meus dias rendem menos, pois uma parte eu dedico aos cuidados dela, que ainda exige bastante. Tive que aprender a lidar com a queda na produtividade. Por outro lado, sou mais eficiente em determinadas tarefas. Então, ainda estou aprendendo a lidar com o tempo, mas acredito que em alguns anos, quando ela estiver mais independente, minha produtividade voltará, pois saberei usar melhor meu tempo.


Se arrependeu de algo? Se sim, o que foi?


Não vejo que determinado caminho seja certo ou errado. Ser mãe impacta a sua carreira tão profundamente, que às vezes a sensação é exatamente de arrependimento, pelo tempo que lhe falta, pelo dinheiro que se esvai, pela saúde mental afetada. Por outro lado, ser mãe te ensina tanto, que você aprende a ser mais eficiente, aprende que o dinheiro nem é tão importante assim, e o amor e a satifação de criar uma pessoa compensam o cansaço. Todo dia fazemos escolhas. Escolhemos não ir ao campo - o que pode gerar arrependimento. Ou escolhemos ir - do que também podemos nos arrepender, já que, pra isso, temos que deixar nossa cria com outra pessoa para cuidar, longe dos nossos olhos e controle. Então, ser mãe é um caminho diferente, nem certo, nem errado. Isso porque você, como pessoa, sem dúvida nenhuma, será melhor depois de ter um filho.


Algo mais a nos contar?


Nessas andanças por trabalhos de campo, sendo mãe solo, com minha filha a tira-colo, vejo que ela tem tido uma vivência incrível de convívio com pessoas diferentes, em locais diferentes. Hoje ela sabe contar histórias por onde passou, os nomes das cidades, o que eu estudo em cada local. Ela sabe reconhecer o que gosta mais em cada lugar, o que lhe parece mais divertido fazer com cada babá. É uma criança super amigável, simpática e aberta a conhecer novas pessoas e lugares. Não estranha cama, comida, pessoas, horários. Isso certamente será um ponto positivo na vida adulta dela.


Você indicaria a realização de atividades de campo com a presença de bebês e crianças para outras mães? Se sim, quais recomendações você pode dar para mães que precisam realizar atividades de campo com bebês e/ou crianças?

Procure seu contato na cidade e peça pra indicar berçário ou babá de confiança. No caso de berçário, hoje os melhores costumam ter site com fotos e todos os espaços e atividades oferecidas, o que facilita a seleção. Converse muito com a coordenadora e leve seu bebê com você para observar a interação dele com o espaço e as cuidadoras. No caso de babá, não confie em “conhecidas”; melhor que seja alguém que cuidou de alguma criança da convivência do seu contato (de preferência, filhos ou sobrinhos). Chegue um ou dois dias antes do campo, converse com a babá, na casa dela, ou com a coordenadora da escola ou o berçário no próprio local ou casa, para observar se é seguro, limpo e organizado. Faça perguntas sobre os cuidados, dê as instruções de forma clara (escritas, se necessário), e converse também sobre amenidades. Assim, verá se a pessoa tem preferências parecidas com a sua. Leve o bebê ou a criança com você e observe a interação dele com a escola ou a babá. Se no campo não tiver sinal de internet, peça para o seu contato indicar uma pessoa que poderia ligar para a babá ou a escola ao longo do dia para verificar se tudo está indo bem. Essa pessoa será seu ponto de apoio; por isso é melhor que seja parente do seu contato (marido, mãe, irmã, etc.).



Fernanda Quaglio

Paleontóloga, graduada em Ciências Biológicas pela USP, mestrado e doutorado em Geologia Sedimentar pela USP e pós-doc em Estratigrafia pela UNESP. Na graduação decidiu seguir carreira acadêmica. Fez alguns trabalhos de consultoria e se tornou professora de universidade federal em 2016. Hoje está na Universidade Federal de São Paulo.

Se tornou mãe em 2017.



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