Neste texto aqui, falamos sobre o pacto narcísico da branquitude, termo cunhado por Cida Bento e que que implica na negação, no evitamento do problema com vistas a manter o privilégio branco.
Por ser um elemento estruturante da sociedade capitalista brasileira, muitas vezes, ações que têm o racismo como pano de fundo passam despercebidas pelas pessoas. Vários fatores interferem na abertura que as ciências oferecem a um pesquisador/a/e negro/a/e ou a uma pesquisa que discuta as demandas da população negra.
Nas geociências, esse apagamento não é diferente. Apesar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo IBGE, demonstrar que a proporção de não-brancos (55,8%) é superior a de brancos (44,2%) no Brasil, essa relação inverte-se quando o assunto é o acesso aos cursos de graduação e pós-graduação das geociências. Recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os resultados da pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil”. O estudo mostra que, pela primeira vez, o número de estudantes negros no país superou os 50%. Em 2018, alunos pretos e pardos representavam 50,3% do total de matrículas em instituições de Ensino Superior públicas do país. Apesar dessa conquista, desigualdades ainda são identificáveis no universo acadêmico.
Segundo matéria publicada pelo Jornal da Unicamp, diferentes levantamentos realizados por veículos de imprensa mostram alguns dos avanços da política de cotas. Mostram, também, que o acesso ainda não é o mesmo em todas as áreas. Eles se baseiam nos dados do Censo da Educação Superior de 2016, edição que mostrou a distribuição de estudantes negros/as/es no país. Um comparativo entre os cursos mais procurados mostram que as graduações que mais incluem alunos/as/es pretos/as/es são Serviço Social, Licenciaturas em Letras e em Química, Recursos Humanos e Enfermagem. Já os que contavam com o número menor de pretos e pardos eram Medicina, Medicina Veterinária, Engenharia Química, Design e Publicidade e Propaganda. Dos 50 cursos considerados pelo levantamento do jornal Nexo, nenhuma engenharia tinha mais de 50% de alunos/as/es pretos/as/es.
Fato que demonstra como a intersecção entre raça e classe segrega socioespacialmente e discursivamente quem vai ocupar determinados lugares (materiais e simbólicos), e quem não vai.
Quem tem direito à fala em espaços de centralidade?
Como disse Frantz Fanon, em seu livro “Pele negra, máscaras brancas”, “todo povo colonizado - todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural - toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, da cultura metropolitana”. Isso resulta, por exemplo, no nosso complexo psicoexistencial de negar a presença indígena e africana na cultura brasileira - como diz Lélia Gonzalez em seus textos.
Ainda segundo Fanon, “o problema da colonização comporta a intersecção de condições objetivas e históricas, e também a atitude diante dessas condições”, (...) tendo em vista que “quem possui a linguagem possui o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito.”
A destruição dos conhecimentos e das tradições de povos que foram alvos da exploração colonial é uma das formas de genocídio aplicadas pelos colonizadores europeus, e que hoje é perpetuada pelas instituições brancas. Toda ciência envolve uma visão de mundo. Definir quem vai falar e quem não vai é uma forma de perpetuação do epistemicídio. Em se tratando de uma população tão plural e sociobiodiversa como a nossa, universalizar o lugar de uma ciência branca, patriarcal e classista é mais uma forma de compactuar com essas opressões. Negar que essa opressão existe também é uma forma de epistemicídio.
No caso da população negra, essa realidade se mostra como uma das facetas do racismo estrutural de nossa sociedade. Os sinais do racismo epistêmico aparecem não apenas nas limitações ao acesso de negras e negros nas universidades, mas também quando o conhecimento produzido por eles é desconsiderado.
Nesse sentido, nós, da ABMGeo (Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências), viemos a público demonstrar nossa insatisfação com os vários eventos acadêmicos, científicos e corporativos que vêm sendo realizados nas áreas das geociências, e que contam com a participação majoritária de pessoas brancas, em grande parte, homens. Abaixo, apresentamos algumas imagens de divulgação das iniciativas que contaram com mesas exclusivamente brancas.
A luta antirracista baseia-se em uma prática de transformação que é material - ou seja, referente às condições socioeconômicas e de acesso a determinados espaços físicos -, mas também simbólica, logo, discursiva e de acesso a determinados espaços de fala. Convidar pessoas negras e, principalmente, mulheres negras (que são as mais oprimidas na nossa pirâmide social), não é apenas uma questão de representatividade, é uma questão de reparação histórica e de democratização da memória coletiva do saber.
A branquitude precisa se esforçar para dar real espaço à produção de epistemes não-brancas. Se a população branca não sair da sua zona de conforto, as práticas “antirracistas” servirão apenas para a manutenção de uma imagem galgada em palavras sem engajamento concreto na práxis. Serão palavras para “inglês ver”, como o foi a “lei Áurea”, que de áurea não tem nada.
Chapa (Geo)Diversas
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